1. INTRODUÇÃO
Quando o homem passa a viver em sociedade, há uma necessidade vital de se criar normas e regulamentos para se condicionar o bem-estar do grupo. Por isso, foram criados o Estado, as Constituições e as leis infraconstitucionais, concedendo aos cidadãos direitos. No entanto, estes direitos deveriam ser compatíveis com o bem-estar social, e com este fim é que se condiciona tais direitos individuais nas leis, cabendo à Administração Pública reconhecer e averiguar limites a tais.
Foi necessária, assim, a criação de vários órgãos, para que a Administração Pública pudesse exercer suas funções, sendo que um dos órgãos responsáveis pela adequação do direito individual ao interesse da coletividade se convencionou chamar de poder de polícia, que funciona como instrumento utilizado para efetivar as funções da Administração Pública.
Segundo o professor Bandeira de Mello, “quem exerce ‘função administrativa’ está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido.”[2].
Desta forma, Poder de Polícia é uma faculdade do Estado estabelecida com o intuito de preservar o bem comum, que é o conjunto dos valores que mantém a Sociedade em ordem.
2. PODER DE POLÍCIA: DISCRICIONARIEDADE E LIMITES
2.1 Conceito
O direito administrativo, em relação aos direitos individuais, cuida de temas que colocam em confronto dois aspectos opostos: a autoridade da Administração Pública, que tem condiciona o exercício dos direitos individuais ao bem estar coletivo; e a liberdade individual.
Para administrar esse conflito de forma eficaz, aplicou-se ao poder de polícia, dois sentidos: um sentido amplo e um sentido estrito. Cosoante Celso Antonio Bandeira de Melo, em sentido amplo (atos do legislativo e executivo), o poder de polícia corresponde à “atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade, ajustando-se aos interesses coletivos”; e em sentido estrito (atos do executivo), abrange “as intervenções do Poder Executivo, destinadas a alcançar fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastante com os interesses sociais. Sendo que o sentido estrito é responsável pelo poder de polícia administrativo. Desta forma, o poder de polícia administrativo tem intervenções genéricas ou especificas do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de interferir nas atividades de particulares tendo em vista os interesses sociais.
Antes de prosseguir, vale ressalvar a concepção de poder de polícia consoante ótica liberal, que defendia que tal poder consistia na atividade estatal que demarcava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança. Atualmente, o conceito moderno vislumbra que o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em fixar limites ao exercício dos direitos individuais em prol do interesse público. Vale destacar, ainda, o conceito de poder de polícia legal:
“CTN. Art. 78. “Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Portanto, o Poder de polícia é a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. É a faculdade de manter os interesses coletivos e de assegurar os direitos individuais feridos pelo exercício de direitos individuais de terceiros. Visa à proteção dos bens, dos direitos, da liberdade, da saúde, do bem-estar econômico. Constitui limitação à liberdade e os direitos essenciais do homem[3].
Assim, pode-se considerar poder de polícia como um dos poderes atribuídos ao Estado, a fim de que possa estabelecer, em benefício da própria ordem social e jurídica, as medidas necessárias à manutenção da ordem, da moralidade, da saúde pública ou que venha garantir e assegurar a própria liberdade individual, a propriedade pública e particular e o bem-estar coletivo.
A sua razão de ser é justamente o interesse social e o seu fundamento está na Constituição e nas normas de ordem pública. A sua finalidade é a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo. Nesse interesse superior da comunidade entram não só os valores materiais, como também o patrimônio moral e espiritual do povo, expresso do poder de polícia da Administração para a contenção de atividades particulares anti-sociais ou prejudiciais à segurança nacional.
Faz-se mister ressaltar, ainda, que o poder de polícia pode assumir caráter preventivo ou repressivo. Quando atuando preventivamente, o poder de polícia deve impedir as ações anti-sociais. Enquanto que o seu atuar de forma repressiva deve visar punir os infratores da lei penal. A partir destes carateres, o poder de polícia exercido pelo Estado pode incidir na área administrativa e na judiciária.
2.2 Poder de Polícia Administrativa
O poder de polícia administrativo, no seu atual estágio da evolução histórica, responde pela presença da Administração em situações ou relações jurídicas que ordinariamente seriam de direito privado, mas que a intervenção da entidade pública transfere obrigatoriamente, à égide do regime jurídico de direito público.
A polícia administrativa objetiva a manutenção da ordem pública geral, impedindo preventivamente possíveis infrações das leis. Tanto pode agir preventivamente, como repressivamente. Em ambas as hipóteses, a sua função é impedir que o comportamento do indivíduo cause prejuízos para a coletividade.
Manifesta-se através de atos normativos concretos e específicos, por meio de:
-atos normativos e de alcance geral: através da lei constituem-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais. Pode se dar por Decretos, Resoluções, Portarias, Instruções;
-atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, incluindo medidas repressivas e medidas preventivas, ambas com intuito de coagir o infrator a cumprir a lei.
O poder de polícia administrativa protege, assim, valores como: “(a) de segurança pública; b) de ordem pública; c) de tranqüilidade pública; d) de higiene e saúde públicas; e) estéticos e artísticos; f) históricos e paisagísticos; g) riquezas naturais; h) de moralidade pública; i) economia popular”[4]. Todas elas encontrando-se no mesmo nível de importância para a Administração.
2.3 Poder de Polícia Judiciária
A polícia judiciária é a atividade desenvolvida por organismos, de caráter repressivo e ostensivo, com a função de reprimir a atividade de delinqüentes através da instrução policial criminal e captura dos infratores da lei penal. Incide sobre as pessoas, e é exercido por órgãos especializados como a polícia civil e a polícia militar. Tem como finalidade, auxiliar o Poder Judiciário no seu cometimento de aplicar a lei ao caso concreto, em cumprimento de sua função jurisdicional.
Entre outras diferenças, tais como a polícia administrativa ser regida pelo Direito Administrativo, enquanto que a polícia judiciária pelo Direito Processual Penal, tem-se que “a polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.”[5].
2.4 Características
-Auto-executoriedade:
É a possibilidade que tem a Administração Pública de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário. No caso de já ter tomado uma decisão executória, a faculdade de utilizar a força pública para obrigar ao administrado cumprir sua decisão. É mister, para tanto, que a lei (art. 5º, LV, CF) autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público (art. 37, § 6º, CF).
A decisão Administrativa impõe-se ao particular ainda contra a sua concordância, pois a Administração é um órgão do Estado e este, sempre busca o bem da sociedade. Se o particular quiser se opor, terá que recorrer ao Poder Judiciário. Os meios eficazes que podem ser usadas pelo particular quando ele se sentir lesado por algum ato praticado pela Administração Pública através de seus agentes, são o hábeas corpus e o mandado de segurança, que são os remédios processuais mais efetivos para tais casos, mas mesmo nesse caso é o particular que tem que recorrer ao Poder Judiciário.
Vale ressaltar, inclusive, que o Tribunal de Justiça de Justiça de São Paulo já tratou da matéria, suscitando que:
“Exigir-se previa autorização do Poder Judiciário equivale a negar-se o próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem que ser sumário, direto e imediato, sem as delongas e as complicações de um processo judiciário prévio”.[6]
A auto-executoriedade se desdobra em: exigibilidade e executoriedade. A exigibilidade é a possibilidade que tem a Administração Pública de tomar decisões executórias, valendo-se de meios indiretos de coação. Enquanto que a executoriedade é a faculdade que tem a Administração, quando já tomou alguma decisão executória, de realizar diretamente a execução forçada, usando, se necessário, da força pública para obrigar o particular a cumprir a decisão da Administração.
Ocorre que a auto-executoriedade nem sempre está em todos os atos de polícia, posto que as hipóteses de sua incidência ocorre quando: autorização expressa em lei; a medida administrativa faz-se urgente e necessária, a fim de que o interesse público não seja comprometido; e a inexistência de outra medida cabível pela qual a Administração atenda aos interesses da coletividade.
-Coercibilidade:
É a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, para a garantia do cumprimento do ato de polícia. Todo ato de polícia é imperativo e obrigatório, admitindo até o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Desta forma, não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-lo efetivo, e essa coerção também independe da autorização judicial. É a própria Administração que determina e faz executar as medidas de força, que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa resultante do exercício do poder de polícia.
-Discricionariedade:
A Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal. A lei consente que a Administração aprecie a situação concreta e decida se deve ou não conceder a autorização, diante do interesse público em jogo.
2.4 Discricionariedade
Em verdade, o poder de polícia é inexato, pois a lei, as vezes, possui brechas que permitem a livre interpretação e apreciação sobre alguns elementos, o que é aceitável, uma vez que o legislador é incapaz de conhecer previamente todas as situações de aplicação da lei. Assim, discricionariedade é a abertura da norma legal à Administração, de maior liberdade de atuação, permitindo-lhe que escolha seus próprios caminhos de atuar, na oportunidade que lhe convenha, pelos motivos que entender relevantes.
Na realidade, a discricionariedade é intrínseca às três características principais do poder de polícia, pois ao ser aplicada a auto-executoriedade, é feito um julgamento por quem o aplica, e esse julgamento é discricionário. E quando exercida a coercibilidade, a ação imperativa imediata é um ato discricionário.
Assim, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais, e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima.
No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia. Mas esta liberdade é relativa, uma vez que tem sua exata proporção definida por lei, e seu exercício vinculado à satisfação do interesse público. Além do mais, pode-se salientar que o poder de polícia, na maioria das vezes, é discricionário, porém, pode ser também vinculado. É vinculado quando a lei prevê que a Administração, diante de determinados requisitos. Terá que adotar ação estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção.
2.6 Limites
Mesmo que o ato de polícia seja discricionário, a lei impõe alguns limites quanto à competência, à forma, aos fins ou ao objeto.
Quanto à competência e procedimento (forma), observa-se as normas legais pertinentes, a lei.
Já em relação aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público. A autoridade que fugir a esta regra incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as conseqüências nas esferas civil, penal e administrativa. O fundamento do poder de polícia é a predominância do interesse público sobre o particular, logo, torna-se escuso qualquer beneficio em detrimento do interesse público.
Enquanto que o objeto (meio de ação), deve-se considerar o princípio da proporcionalidade dos meios aos fins. O poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade é assegurar o exercício dos direitos individuais, condicionando-os ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária á consecução dos fins estatais.
Para os executores dos atos de polícia, pode não ser fácil o estabelecimento das linhas divisórias entre a discricionariedade e a arbitrariedade. Mister se faz que os executores dos atos de polícia tenham treinamento adequado, com bons conhecimentos dos direitos dos cidadãos, para se aterem aos limites legais do poder de polícia, e não adotarem a arbitrariedade.
Um freio eficiente para deter a arbitrariedade é o bom senso nos atos de polícia. Bom senso na verificação dos resultados de cada atitude. Bom senso na aplicação da coercitividade. Deve-se manter a proporcionalidade entre a infração e o ato coercitivo, para não se extrapolar os limites estabelecidos. É o caso do emprego da quando desnecessário. Ou de não empregá-la quando imprescindível. Por isso, faz-se mister que o agente do ato policial tenha domínio da Lei.
Com efeito, nada mais danoso à convivência social do que um agente do policial indo de encontro ao bem comum e às limitações da Lei. Porque, além da disfunção pelo mau uso das prerrogativas, há ainda uma prática contrária ao bem comum, que deve ser justamente oprimida por tal agente.
Deve-se, pois, se pensar o ato de polícia a partir da necessidade, se é de fato necessária para cessar a ameaça ou não. Se o ato de polícia é justo e se há uma proporção entre o dano a ser evitado e o limite ao direito individual. Se a medida tomada é adequada de fato para conter o dano. Se o ato de polícia é realmente razoável e não arbitrário.
Portanto, com os limites impostos à discricionariedade, o que se pretende é vedar qualquer manifestação de arbitrariedade por parte do agente do poder de polícia. A intenção não é extinguir os direitos individuais com as medidas administrativas referentes ao poder de polícia, dada a ordem jurídica de Estado Democrático de Direito, pelo que aplicar-se-ão os princípios da necessidade, proporcionalidade, eficácia e razoabilidade. Dever-se-á, portanto, ponderar em todo exercício de poder de polícia os princípios administrativos, especialmente, os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da eficácia.
3. CONCLUSÃO
Partindo, assim, da premissa da vital necessidade do poder de polícia para manter a boa ordem da sociedade e preservar o interesse público, quando este estiver ameaçado por interesse particular, concede-se a caráter de discricionariedade para o poder de polícia, a fim de se atuar conforme os casos concretos requeiram. Uma vez que cada caso é um caso específico, casa questão deve ser tratada a partir de sua singularidade, dotando o poder de polícia um atuar relativamente autônomo.
E, para que o poder de polícia não se tornasse uma arma nociva nas mãos de seus detentores, convencionou-se limites para tal. Limites à forma, à competência, aos fins e ao objeto, com o propósito de manter o original objetivo do poder de polícia, que acima de quaisquer outros objetivos, visa o interesse e o bem-estar público.
-Anne Clarissa Fernandes de Almeida Cunha
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